terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Texto 11: Em nome de Deus

Texto 11:Em nome de Deus
José Murilo de Carvalho

Foi muito diferente o papel exercido pela religião e pelas igrejas nos movimentos abolicionistas dos Estados Unidos e do Brasil.
O mais forte componente dos abolicionismos britânico e norte-americano foi justamente a convicção religiosa. Os quakers foram pioneiros na luta contra a escravidão na Grã-Bretanha. Esse grupo religioso puritano, conhecido como Sociedade dos Amigos, engajou-se na luta desde o final do século XVII. Apesar de não haver condenação da escravidão na Bíblia, eles decidiram que sua prática era incompatível com o princípio da igualdade de todos os homens perante Deus. Aliados a outros religiosos, organizaram-se em sociedades abolicionistas, mobilizaram a opinião pública e pressionaram o Parlamento para aprovar medidas contra a escravidão. Em 1807, esses militantes conseguiram sua primeira grande vitória quando o Parlamento decretou o fim do tráfico de escravos.
A atuação dos quakers estendeu-se aos Estados Unidos, onde a luta foi muito mais dura, pois lá a escravidão estava dentro do país. Mesmo assim, na década de 1830 já funcionavam várias sociedades abolicionistas, todas movidas por valores puritanos e organizadas por quakers, metodistas e batistas. A mais importante foi a American Anti-Slavery Society, criada em 1833. No Brasil, nem o pensamento abolicionista se baseou na religião, nem a Igreja Católica se empenhou na causa. Pelo contrário, padres e ordens religiosas eram coniventes e cúmplices da escravidão. A Bíblia, argumentava-se, não proibia a escravidão e, afinal, o que importava era a liberdade da alma livre do pecado, e não a liberdade civil. Além disso, padres eram empregados do Estado, cujos interesses tinham dificuldade em contrariar. Nosso abolicionismo baseou-se antes em razões políticas e humanistas.
Esse contraste ajuda a entender por que, nos Estados Unidos, a abolição foi seguida de forte ação a favor dos ex-escravos, sobretudo nos campos da educação, dos direitos políticos e do acesso à propriedade da terra. Entre nós, nada foi feito, nem pelo Estado, nem pela Igreja, nem pelos particulares.

José Murilo de Carvalho é professor titular da UFRJ e autor de Dom Pedro II: Ser ou não ser (São Paulo: Companhia das Letras, 2007).

Texto 10: Desta para melhor



Texto 10: Desta para melhor
Autor: Jackon Ferreira

Em 25 de março de 1854, o subdelegado da freguesia de Santo Antônio, na cidade de Salvador, prendeu o escravo Luiz, fugido do poder de seu senhor, Antonio Montinho, morador da cidade de Santo Amaro. Motivo: o senhor não queria atender ao pedido do escravo para que o vendesse, pois não queria mais servi-lo. Com o fracasso da fuga, Luiz ameaçou enforcar-se caso tivesse que voltar para o domínio do seu dono. O subdelegado resolveu então mandá-lo para a Casa de Correção enquanto esperava Antonio Montinho decidir se o vendia ou não.
Dez anos depois, a africana Camila, 30 anos, escrava dos também africanos Domingos e Guilhermina, moradores na freguesia do Pilar, em Salvador, tentou se afogar com seu filho Marcos, de apenas cinco meses, no Dique do Tororó. Salvos por pessoas que passavam pelo local, foram conduzidos à presença do subdelegado da freguesia, a quem Camila revelou que desejava se livrar dos maus-tratos dos seus senhores e dos serviços que exigiam que realizasse sem que ela tivesse condições de atendê-los. Chamado à delegacia, Domingos foi aconselhado a vender mãe e filho. O medo de perder o patrimônio foi decisivo para que os senhores os pusessem à venda.
Documentos encontrados nos arquivos de Salvador demonstram que Luiz e Camila não foram os únicos escravos a ameaçar pôr fim à vida ou mesmo de tentar o suicídio como meio de obter melhores condições de existência dentro ou fora do cativeiro. Foram localizados 231 casos de suicídios consumados ou de tentativas, sendo 167 de escravos e 64 de escravas, entre 1850 e 1888. Em 158 deles foi possível saber a origem das vítimas – 97 africanos e 61 escravos crioulos, isto é, nascidos no Brasil. Para se ter uma idéia, na década de 1850 os africanos representavam 67% do total de escravos suicidas. O que não causa admiração, pois, além de constituírem ainda uma parcela bastante significativa da escravaria baiana naqueles anos, a violência do tráfico agora interprovincial talvez contribuísse para seu desespero.
O suicídio era um ato de resistência individual que pode ser compreendido tanto como expressão de um conflito quanto de uma negociação entre senhores e escravos. Entre estes dois pólos, os escravos se colocaram como indivíduos tentando conduzir a própria vida em meio a condições adversas. Muitos casos demonstram que o ato só era praticado como último recurso para forçar o atendimento dos desejos ou como alternativa para escapar definitivamente da escravidão.


Fonte Revista História Biblioteca Nacional: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=491

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Texto 7:Amor ingrato

Texto 7: Amor ingrato

Francisca amava josé. Mas havia um problema: José, nascido em Cabo Verde, era escravo em Minas Gerais.
Francisca, ex-escrava e proprietária de alguns imóveis em Mariana, comprou a liberdade do seu amado, e eles se casaram. Mas, infelizmente não viveram felizes para sempre.
José usou o dinheiro das rendas de Francisca para comprar uma escrava, a africana Maria, e a transformou em sua amante.
E não parou por aí: passou a maltratar sua esposa e a usar a amásia para ameaça-la, até que ela precisou sair de casa.
Francisca que já havia superado as agruras da escravidão e conseguido numa vida relativamente confortável, não aceitou a situação com facilidade.
Ela recorreu a justiça em 1772, pagando um advogado para processar o marido ingrato e o capitão-mor da região, uma espécie de delegado de polícia , que dava cobertura a José.
O desfecho do caso ninguém sabe, ninguém viu. Mas fica a prova de que a ingratidão e a injustiça não eram aceitas passivamente pelas mulheres da colônia.

Em Crimes e escravos na Capitania de Todos os Negros, de Liana Maria Reis.

Texto 6:Leopoldina a Imperatriz do Brasil



Texto 6: Leopoldina a Imperatriz do Brasil
A arquiduquesa Leopoldina era filha do imperador da Áustria. Tinha uma inteligencia apurada e uma educação perfeita , ao contrário do marido D. Pedro I que tinha péssimos modos.
Chegou ao Rio de Janeiro em 1817, com vinte anos de idade.
Escreveu inúmeras cartas para sua família austríaca. Nessas cartas ficaram registradas suas alegrias, tristezas e principalmente a mágoa que sentia por ter sido traída e humilhada por D. Pedro I.
Existem vários documentos que apontam que D. Leopoldina era muito admirada e vista como intelectual, principalmente pelos intelectuais da época. Essa realidade causava desconforto a D. Pedro.
Engana-se quem acredita que o luxo que cercava a Imperatriz a fazia feliz. A solidão era companheira do seu dia-a-dia, principalmente depois que D. Pedro despediu todos os funcionários que D. Leopoldina havia trazido da Áustria.
Mas, nenhum sofrimento se compararia a dor que sentia diante das traições do marido. O Imperador tinha inúmeras amantes e vários filhos fora do casamento.
Uma das amantes se chamava Dona Domitila, para ela D. Pedro deu o título de Marquesa de Santos. Sua presença era constante palácio. Essa realidade causava grande indignação na corte carioca.
Vários acontecimento apontam que D. Leopoldina era demasiadamente maltratada e humilhada pelo marido.
Em um desses momentos teria Dom Pedro a obrigado a comparecer a cerimônia do beija-mão ao lado da amante Dona Domitila. Ela terminantemente se recusou, e foi espancada por ele na frente da amante.
Leopoldina, aos 29 anos faleceu devido a perda de uma gravidez que a levou a delirar. Na ocasião Dom Pedro estava no Rio Grande do sul.
A impressa e o povo carioca manifestavam revolta e tristeza pela morte da princesa. Fizeram várias procissões e vigílias visando o seu restabelecimento.
Após a morte de Dona Leopoldina, o povo se revoltou contra a Marquesa de Santos e Dom Pedro. Pediam que ele fosse afastado do trono e ameaçaram de morte a concubina. A polícia teve que proteger a casa de Domitila, pois havia a possibilidade do povo a linchar.
A maneira com que tratava a Imperatriz causou grande repúdio ao povo, e fortaleceu a sua impopularidade.
Hoje os restos mortais encontram-se no Monumento do Ipiranga, em são Paulo.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Texto 5: Abolição como dádiva


"Libertação dos Escravos " ( 1889), de Pedro Américo.

Texto 5: Abolição como dádiva
"A Monarchia está mais popular do que nunca”. Assim, Joaquim Nabuco Nabuco descreveu os dias de júbilo que se seguiam ao 13 de maio de 1888.
A Lei Áurea era mesmo popular e conferia nova visibilidade à princesa Isabel e à monarquia. No entanto, politicamente, o Império tinha seus dias contados ao perder o apoio dos fazendeiros do Vale do Paraíba. Apesar do clima de euforia reinante, parecia ser o último ato do teatro imperial.
Mas, às vezes, o último é também o primeiro. Em meio a uma sociedade de marcas pessoais e de culto ao personalismo, a abolição foi entendida e absorvida como uma “dádiva”. Um belo presente que merecia, portanto, troco e devolução. Isabel converteu-se em a “Redentora”, e o ato transformou-se em mérito de “dono único”. Decadente e falida como sistema, a monarquia recuperava força no imaginário ao vincular-se ao ato mais popular do império. A “realeza mitificada”, quase mágica, senhora da justiça e da segurança.
Nos Jornais e nas imagens de época, Isabel passa a ser retratada como uma santa a redimir os escravos, que aparecem sempre descalços e ajoelhados, como a rezar e a abençoar a padroeira. Já a princesa surge de pé e ereta, contrastada com a posição curvada e humilde dos ex-escravos, que, parecem manter a sua situação - se não mais real, ao menos simbólica. Aos escravos recém-libertos só restaria a resposta servil e subserviente, reconhecedora do tamanho do “presente” recebido.
Estava inaugurada uma maneira complicada de lidar com a questão dos direitos civis. Sem a compreensão de que a abolição era resultado de um movimento coletivo, permanecíamos atados ao complicado jogo das relações pessoais, suas contraprestações e deveres: chave do personalismo e do próprio clientelismo. Nova versão para estruturas antigas em que as relações privadas se impõem sobre as esferas públicas de atuação.
Como se fôssemos avessos a qualquer associação com a violência, apenas produzimos hierarquias que, de tão assentadas, pareciam legitimadas pela própria natureza. Péssima lição de cidadania: a liberdade combinada com humildade e servidão, distante das noções de livre-arbítrio e de responsabilidade individual.

Lilia Schwarcz, antropóloga e historiadora ( USP)

Santa Missão


TEXTO 4: Santa missão

Os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549. Desde daquela época, a presença da companhia de Jesus foi objeto de polêmica. De um lado, um grupo de missionários que surgiu do fervor religioso da Europa Renascentista com o objetivo de espalhar uma fé genuína e renovada; do outro, os interesses de um projeto econômico.

Interesses políticos econômicos e religiosos se chocaram desde o início, o que pode ser visto nos ataques que Gabriel Soares, senhor de engenho na Bahia do séc. XVI, desferiu contra o trabalho missioneiros dos “soldados de Cristo”, ou nas constantes rusgas entre os inacianos e os paulistas caçadores de índios no séc. XVII.

Mas os Jesuítas se adaptaram ao mundo colonial. Ao longo de dois séculos, fundaram povoados, ergueram igrejas, criaram colégios e reuniram indígenas em missões. Propagaram nas terras coloniais, entre colonos e indígenas, uma concepção “ humanista” do homem e da sociedade, embora tenham, paradoxalmente, possuído escravos. A experiência acabou em 179, quando o ministro português Sebastião José de carvalho decidiu expulsar a ordem de Portugal e de suas colônias. Passados 250 anos, o tema ainda é controverso.

No decorrer da sua permanência os jesuítas acumularam, além do poder espiritual, um grande poder econômico que incomodava bastante a coroa e os colonos. Esse poder econômico vinha dos lucros obtidos com atividades econômicas como: plantações de cana, criações de gado, aluguéis de imóveis, doações de fiéis.

Eram tantas as propriedades que constantemente se envolviam em conflitos e litígios com donos de terrenos vizinhos, e, ao concentrar grande influência religiosa, política e econômica, a ordem angariou inimizades e passou a ser vista como uma ameaça pelos governantes locais. Tanto que o ato de sua expulsão alegava ter como objetivo preservar a autoridade real e a soberania do Estado Lusitano. Segundo a coroa, era uma ação em defesa da segurança da coletividade, para “conservar a tranquilidade e os interesses dos fiéis vassalos”. A lei que os mandou embora transferia para a coroa Muitas riquezas que estavam em seu poder.

Adaptação do texto de Paulo de Assunção: Revista Biblioteca Nacional