terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Texto 10: Desta para melhor



Texto 10: Desta para melhor
Autor: Jackon Ferreira

Em 25 de março de 1854, o subdelegado da freguesia de Santo Antônio, na cidade de Salvador, prendeu o escravo Luiz, fugido do poder de seu senhor, Antonio Montinho, morador da cidade de Santo Amaro. Motivo: o senhor não queria atender ao pedido do escravo para que o vendesse, pois não queria mais servi-lo. Com o fracasso da fuga, Luiz ameaçou enforcar-se caso tivesse que voltar para o domínio do seu dono. O subdelegado resolveu então mandá-lo para a Casa de Correção enquanto esperava Antonio Montinho decidir se o vendia ou não.
Dez anos depois, a africana Camila, 30 anos, escrava dos também africanos Domingos e Guilhermina, moradores na freguesia do Pilar, em Salvador, tentou se afogar com seu filho Marcos, de apenas cinco meses, no Dique do Tororó. Salvos por pessoas que passavam pelo local, foram conduzidos à presença do subdelegado da freguesia, a quem Camila revelou que desejava se livrar dos maus-tratos dos seus senhores e dos serviços que exigiam que realizasse sem que ela tivesse condições de atendê-los. Chamado à delegacia, Domingos foi aconselhado a vender mãe e filho. O medo de perder o patrimônio foi decisivo para que os senhores os pusessem à venda.
Documentos encontrados nos arquivos de Salvador demonstram que Luiz e Camila não foram os únicos escravos a ameaçar pôr fim à vida ou mesmo de tentar o suicídio como meio de obter melhores condições de existência dentro ou fora do cativeiro. Foram localizados 231 casos de suicídios consumados ou de tentativas, sendo 167 de escravos e 64 de escravas, entre 1850 e 1888. Em 158 deles foi possível saber a origem das vítimas – 97 africanos e 61 escravos crioulos, isto é, nascidos no Brasil. Para se ter uma idéia, na década de 1850 os africanos representavam 67% do total de escravos suicidas. O que não causa admiração, pois, além de constituírem ainda uma parcela bastante significativa da escravaria baiana naqueles anos, a violência do tráfico agora interprovincial talvez contribuísse para seu desespero.
O suicídio era um ato de resistência individual que pode ser compreendido tanto como expressão de um conflito quanto de uma negociação entre senhores e escravos. Entre estes dois pólos, os escravos se colocaram como indivíduos tentando conduzir a própria vida em meio a condições adversas. Muitos casos demonstram que o ato só era praticado como último recurso para forçar o atendimento dos desejos ou como alternativa para escapar definitivamente da escravidão.


Fonte Revista História Biblioteca Nacional: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=491

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