sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Texto 5: Abolição como dádiva


"Libertação dos Escravos " ( 1889), de Pedro Américo.

Texto 5: Abolição como dádiva
"A Monarchia está mais popular do que nunca”. Assim, Joaquim Nabuco Nabuco descreveu os dias de júbilo que se seguiam ao 13 de maio de 1888.
A Lei Áurea era mesmo popular e conferia nova visibilidade à princesa Isabel e à monarquia. No entanto, politicamente, o Império tinha seus dias contados ao perder o apoio dos fazendeiros do Vale do Paraíba. Apesar do clima de euforia reinante, parecia ser o último ato do teatro imperial.
Mas, às vezes, o último é também o primeiro. Em meio a uma sociedade de marcas pessoais e de culto ao personalismo, a abolição foi entendida e absorvida como uma “dádiva”. Um belo presente que merecia, portanto, troco e devolução. Isabel converteu-se em a “Redentora”, e o ato transformou-se em mérito de “dono único”. Decadente e falida como sistema, a monarquia recuperava força no imaginário ao vincular-se ao ato mais popular do império. A “realeza mitificada”, quase mágica, senhora da justiça e da segurança.
Nos Jornais e nas imagens de época, Isabel passa a ser retratada como uma santa a redimir os escravos, que aparecem sempre descalços e ajoelhados, como a rezar e a abençoar a padroeira. Já a princesa surge de pé e ereta, contrastada com a posição curvada e humilde dos ex-escravos, que, parecem manter a sua situação - se não mais real, ao menos simbólica. Aos escravos recém-libertos só restaria a resposta servil e subserviente, reconhecedora do tamanho do “presente” recebido.
Estava inaugurada uma maneira complicada de lidar com a questão dos direitos civis. Sem a compreensão de que a abolição era resultado de um movimento coletivo, permanecíamos atados ao complicado jogo das relações pessoais, suas contraprestações e deveres: chave do personalismo e do próprio clientelismo. Nova versão para estruturas antigas em que as relações privadas se impõem sobre as esferas públicas de atuação.
Como se fôssemos avessos a qualquer associação com a violência, apenas produzimos hierarquias que, de tão assentadas, pareciam legitimadas pela própria natureza. Péssima lição de cidadania: a liberdade combinada com humildade e servidão, distante das noções de livre-arbítrio e de responsabilidade individual.

Lilia Schwarcz, antropóloga e historiadora ( USP)

Um comentário:

  1. Goataria de saber de onde foi retirado o texto (referências). estou escrevendo e preciso citar.Agradeço o favor antecipadamente.
    Michelle

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